quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Escondida na gaveta - Leonardo, Lispector e Pessoa


Sessenta e seis anos depois do dia do meu nascimento...
Contemplando versos inúteis à soleira da porta...
De guerras que vi, amores, dores e sofrimentos...
Não sei mais aquilo que realmente importa...
Tudo morre no final, onde sentido nada mais se tem...
Do meu tempo pouco restou, quase ninguém...

Casei-me, tornei-me fútil, suburbano e tributável...
Dei ao mundo crianças, que hoje são homens e mulheres...
Sou aquilo que se chama de classe média, estável...
E ainda, depois de quarenta e um anos vens a mim!? O que queres?
Pensei ter te visto escondida dentro da minha gaveta...
Com meus brinquedos, cadernos, notebooks e canetas...

E mesmo hoje, refletida minha velhice nos cabelos brancos...
Lá está a minha razão perdida, com seu cadáver ás costas...
Perdida em si mesmo, entretida entre doidas e santos...
Pedes a mim explicação, exiges de mim algum resposta?
Posso dizer que fui feliz? Sim, o que mais haveria de ser?
Mas aí, te pergunto, "ser feliz para conseguir o que?"

Lembra de mim ainda? Lembra-se daquele fatídico dia?
Não, não faz falta sombra fútil da minha alma, não faz...
Tuas tatuagens na pele, tua pele quente, hoje fria...
E assim como eu, de tornar-se mediana tu foste capaz...
E lá estou eu, espreitando você de outra gaveta no quarto...
Como um diabo esperando no inferno, como pedra no sapato...


Que provocação haverá de ser maior do que nossa simples consciência lutando para nos retirar de um mundo comum, fútil, vazio...?

Não adianta tentar levar em frente algumas coisas, certas coisas sempre haverão de estar "escondidas nas gavetas", como um dia me disseram. No final daquilo que nos fez feliz, sobra muitas vezes apenas um ursinho de pelúcia velho, empoeirado e já sem um dos olhos, ainda que o mesmo ainda mantenha aquele velho sorriso...


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